Star Wars: até onde responder perguntas?

Há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante... bom... não é bem assim que essa história começa. Esse “episódio” se passa aqui na Terra mesmo e sua história chegou aos cinemas há pouco mais de 41 anos. Foi no dia 25 de maio de 1977 que, após a fanfarra da 20th Century Fox e a logo da Lucasfilm, um letreiro amarelo tomou a tela acompanhado pelo acorde estrondoso de John Williams. Nele estava escrito “Star Wars”.
 

E, assim, o mundo pode conhecer a história da Guerra nas Estrelas. E ela não é curta. Desde “Uma Nova Esperança” (1997), centenas de romances, milhares de histórias em quadrinhos, além de jogos de videogame, fanfics e os filmes, expandiram o grande universo transmidiático de George Lucas. Mas, logicamente, ele não fez isso sozinho. O diretor reconheceu, em entrevista concedida em 2008, que foi responsável por, no máximo, um terço dessa narrativa. Numa analogia à Santíssima Trindade, Lucas disse que era

‘o pai do nosso mundo cinematográfico de Star Wars – o entretenimento filmado, os longas-metragens e séries de TV. Eu defino como serão, treino as pessoas e supervisiono todos eles. Eu sou o pai; esse é o meu trabalho. Aí temos o grupo de licenciamento, que faz os games, brinquedos e todas as coisas. Eu chamo isso de o filho – e o filho faz basicamente o que bem quiser. Então temos o terceiro grupo, o espírito santo, que são os blogueiros e fãs. Eles criaram o próprio mundo. Eu me preocupo com o mundo do pai. O filho e o espírito santo podem seguir o próprio caminho’. (TAYLOR, 2015, p.22)

A essa segmentação de conteúdo em pequenos nichos, muitas vezes deslocados da narrativa principal, mas unidos pelo mesmo universo, Chris Anderson chama de a Cauda Longa (2006, p.5). Dessa forma, criam-se mercados de nicho que seguem lado a lado. Em grande medida, essas segmentações são crias da internet. Anderson afirma que se antes só era produzido que poderia vir a se tornar um campeão de vendas, hoje, “[...] à medida que a Internet absorve quase tudo, transmutando-se em loja, teatro e difusora, por uma fração mínima do custo tradicional”(2006, p.8).

E foi nesse espaço que o espírito santo causou receios ao pai. Após a trilogia dos prelúdios (Episódios I-III), criticada por muitos fãs, George Lucas não se sentia tão confiante a voltar a contar a história dos Skywalker no cinema. “Com a internet, a situação ficou muito cruel e pessoal... Você simplesmente diz para si mesmo, por que eu preciso fazer isso?”, disse em entrevista à revista BussinessWeek (TAYLOR, 2015, p. 485). Antes disso, ele não só descartava para si a possibilidade de novos filmes, mas para qualquer um dentro de sua empresa: “Definitivamente não haverá Episódios VII-IX. Isso porque não há história. Quero dizer, eu jamais pensei qualquer coisa a respeito” (TAYLOR, 2015, p. 486).

Esse pensamento persistiu por alguns anos, até que em 2011, Bob Iger, presidente e CEO da The Walt Disney Company, em uma reunião com George Lucas, o perguntou se ele considerava vender sua empresa um dia. Num primeiro momento, Lucas negou, mas disse que, quando estivesse pronto, adoraria conversar a respeito. Iger já havia orquestrado a compra de duas paixões do dono da Lucasfilm: a Pixar (que, outrora, foi sua) e a Marvel (onde os quadrinhos de Star Wars foram e, hoje, novamente, são publicados).

Após a oferta, Lucas decidiu que precisava fazer a empresa crescer antes de, porventura, entrega-la à Casa de Mickey Mouse. Foi, então, que colocou outros filmes de Star Wars em andamento. Fez ligações, negociou com os atores da trilogia original, convidou novos roteiristas, contratou advogados para listarem suas criações. Um ano depois, resolveu dar o primeiro passo: anunciou Kathleen Kennedy como co-presidente e sua futura sucessora. E ligou para Iger.

Negociações foram feitas, a nova trilogia foi anunciada pela Lucasfilm, mas o diretor não entregaria seus tratamentos do roteiro enquanto o negócio não fosse fechado. E foi. Em outubro de 2012, a Disney adquiriu a empresa por exatos 4,05 bilhões de dólares.

George Lucas assina contrato de venda da Lucasfilm ao lado de Bob Iger (Foto: AP Photo/Disney, Rick Rowell)
 
Daí, então, Kennedy tornou-se a presidente do estúdio, a Disney anunciou J. J. Abrams como diretor do Episódio VII e que outros filmes viriam nos anos em que a jornada principal não estivesse no cinema. Nesse contexto, quatro filmes já foram lançados: os Episódios VII e VIII – “O Despertar da Força” (2015) e “Os Últimos Jedi” (2017), dirigido por Rian Johnson –, “Rogue One” (2016) e “Han Solo” (2018), do selo “Uma História Star Wars”. Sobre essa série que falaremos a partir de agora.

Quando da ocasião da compra, a Disney desconsiderou do cânon grande parte dos materiais lançados em mídias que não fossem o cinema, principalmente, os com histórias ambientadas após os acontecimentos de “O Retorno de Jedi” (1983). A criação do selo “Legends” permitiu uma página em branco para a Lucasfilm escrever o futuro (e o passado) da franquia nas telonas, livros, quadrinhos e TV.

“Rogue One” e “Han Solo” são exemplos de narrativas escritas nessas páginas em branco. Os dois filmes tratam de acontecimentos distintos ocorridos entre o último filme dos prólogos e o primeiro dos originais – os Episódios III e IV. O primeiro deles, conta a história de um grupo de pilotos que são enviados a missão de roubas os planos da Estrela da Morte, arma de destruição criada pelo Império. Esse é um dos eventos mais importantes da franquia, visto que permitiu a destruição da arma pela Aliança Rebelde em “Uma Nova Esperança”. Dirigido por Gareth Edwards e estrelado por Felicity Jones, o filme foi sucesso de público e crítica, recebendo 87% da aprovação dos fãs no RottenTomatoes. Para Natália Bridi (2016, Online), do site Omelete, o filme“[...] alia nostalgia e inventividade para preencher lacunas do cânone e revelar outros lados da galáxia, com trilha sonora, personagens, criaturas, veículos e planetas novos, mas familiares”. Na crítica do portal Jovem Nerd (2016, Online), ele é considerado um “[...] verdadeiro filme de guerra, com perdas constantes, batalhas no solo e também nas estrelas, derrotas e conflitos morais que adicionam muito mais cores àqueles que são considerados os heróis”.

Elenco de “Rogue One: Uma História Star Wars” (2016) (Foto: Jonathan Olley, ©Lucasfilm)

Ao passo que esse filme é bem visto em relação às perguntas que responde, “Han Solo” não foi tão bem recebido assim.Ainda antes da estreia de “O Despertar da Força”, Kathleen Kennedy disse que esse derivado não responderia perguntas que os fãs não queriam saber (HESSEL, 2015, Online). Anos depois, o corte final provou o contrário. O filme explica até mesmo o nome do personagem. O passado cinzento do contrabandista interpretado originalmente por Harrison Ford, permitia aos fãs realizar especulações de toda sorte em relação aos fatos deixados em aberto na primeira trilogia. Não à toa, o filme conta com apenas 64% de aprovação no Rotten.

Alden Ehrenreich interpreta Han Solo no novo longa (Foto: Reprodução, ©Lucasfilm)

Reclamações sobre o longa também surgiram por parte dos críticos. Pablo Bazarello(2018, Online), do portal CinePOP chega a comparar o filme à “Caravana da Coragem”, longa protagonizado pelos Ewoks, voltado ao público infantil. Para o jornalista, “[...] os personagens não têm peso, a trama não possui conflito, e as situações não despertam nosso interesse suficientemente para que nos importemos” (BAZARELLO, 2018, Online). “Não há como negar que a intenção de preencher as lacunas que davam substância a personagens como Solo, Chewie e Lando, é das mais questionáveis - e a execução aqui é, em sua maioria, ruim”, considera Thiago Romariz do site Omelete (2018, Online).

A proposta dos tie-ins de Star Wars é boa, contudo, em “Han Solo”, a Lucasfilm abusou ao querer explicar demais. Retornando à “Santíssima Trindade” de Lucas, podemos considerar alguns pontos tratados no roteiro do filme como uma inutilização do “espírito santo”. Os fãs que, na visão do criador, deveriam especular e criar suas próprias teorias sobre as obras do universo ficcional, tiveram muitas oportunidades podadas pelo “filho”.

Para o nerd, ter espaços para contribuir individual ou coletivamente com suas obras favoritas faz parte da experiência de assistir um filme ou série de TV ou ler um livro ou história em quadrinhos. Quaisquer lacunas deixadas no roteiro são espaços para a participação do fã. Por mais que algumas delas sejam cobertas no futuro, outras devem ser deixadas em aberto para que a cultura participativa seja possível. “Han Solo” peca nesse sentido, respondendo perguntas que tinham respostas prontas nas cabeças dos fãs.

Referências:

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2006.

BAZARELLO, Pablo. Crítica – Han Solo: Uma História Star Wars: Aventura fraca e genérica. CinePOP, 2018. Disponível em: <http://cinepop.com.br/critica-han-solo-uma-historia-star-wars-ser-ou-fazer-han-solo-nao-e-para-qualquer-um-175686>. Acesso em: 02 jun. 2018.

BRIDI, Natália. Rogue One: Uma História Star Wars: Crítica. Omelete, 2016. Disponível em: <https://omelete.com.br/filmes/criticas/rogue-one-uma-historia-star-wars/?key=119430>. Acesso em: 02 jun. 2018.

BRIDI, Natália. Rogue One: Uma História Star Wars: Leia a sinopse oficial do filme. Omelete, 2016. Disponível em: <https://omelete.com.br/filmes/noticia/rogue-one-uma-historia-star-wars-leia-a-sinopse-oficial-do-filme/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Crítica – Rogue One: Uma História Star Wars. Jovem Nerd, 2016. Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/critica-rogue-one-star-wars/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

HESSEL, Marcelo. Star Wars: Derivado de Han Solo não será um filme de origem tradicional. Omelete, 2015. Disponível em: <https://omelete.com.br/filmes/noticia/star-wars-derivado-de-han-solo-nao-sera-um-filme-de-origem-tradicional/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Rogue One: A Star Wars Story. RottenTomatoes, 2016. Disponível em: <https://www.rottentomatoes.com/m/rogue_one_a_star_wars_story/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

ROMARIZ, Thiago. Han Solo – Uma História Star Wars: Crítica. Omelete, 2018. Disponível em: <https://omelete.com.br/filmes/criticas/han-solo/?key=152438>. Acesso em: 02 jun. 2018.

Solo: A Star Wars Story. RottenTomatoes, 2018. Disponível em: <https://www.rottentomatoes.com/m/solo_a_star_wars_story/>. Acesso em: 02 jun. 2018.

TAYLOR, Chris. Como Star Wars conquistou o universo: o passado, o presente e o futuro da franquia multibilionária. São Paulo: Aleph, 2015. 


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