Um homem de meia idade, fumante, traumatizado pela orfandade e que se torna líder da maior instituição do mundo. A breve descrição de pouco mais de uma linha pode ser identificada com mais uma narrativa hollywoodiana. No entanto, o enredo de Paolo Sorrentino para The Young Pope (HBO, 2016) é mais útil para desconstruir do que para manter estruturas pré-definidas. Provável que essas palavras façam o leitor entender a série como um produto, dentre tantos, de crítica a Igreja Católica. Certamente o fator da crítica está presente, entretanto, não é esse o principal, visto que a intenção do autor não é fazer uma série com bases teológicas e doutrinais sólidas.
Os escândalos sexuais, o diálogo com a modernidade, a relação com as outras religiões, a corrupção etc. Esses e muitos outros temas são abordados pela série, uns de forma mais direta e outros nas entrelinhas. Mas dois são os pontos que dão o tom da série, e aqui os cito em ordem de importância: a solidão da fé e as questões políticas. Para a exposição dos dois aspectos, invertermos a ordem de importância, começando pela questão política.
Nessa perspectiva podemos entender a série, a nível de uma comparação distante, como uma versão clerical de House of Cards (Netflix, 2013-atual). Logo no primeiro episódio, ou mesmo na sinopse, é utilizada a palavra “manipulação”, o que deixa claro as intenções políticas dos cardeais em relação ao novo Papa. No entanto, não são as questões dos jogos políticos no conclave ou a manipulação do poder que são o simbolismo mais importante deste ponto, afinal, logo no início Sorrentino deixa claro que o Papa Pio XIII, interpretado por Jude Law, quebra com todas as expectativas e com o diálogo político previsto pelos cardeais.
Os escândalos sexuais, o diálogo com a modernidade, a relação com as outras religiões, a corrupção etc. Esses e muitos outros temas são abordados pela série, uns de forma mais direta e outros nas entrelinhas. Mas dois são os pontos que dão o tom da série, e aqui os cito em ordem de importância: a solidão da fé e as questões políticas. Para a exposição dos dois aspectos, invertermos a ordem de importância, começando pela questão política.
Nessa perspectiva podemos entender a série, a nível de uma comparação distante, como uma versão clerical de House of Cards (Netflix, 2013-atual). Logo no primeiro episódio, ou mesmo na sinopse, é utilizada a palavra “manipulação”, o que deixa claro as intenções políticas dos cardeais em relação ao novo Papa. No entanto, não são as questões dos jogos políticos no conclave ou a manipulação do poder que são o simbolismo mais importante deste ponto, afinal, logo no início Sorrentino deixa claro que o Papa Pio XIII, interpretado por Jude Law, quebra com todas as expectativas e com o diálogo político previsto pelos cardeais.
A série tem início com o primeiro discurso do Papa na Praça de São Pedro após a eleição. A fala, repleta de modernismos e politicamente correto, lista diversos aspectos – do aborto a eutanásia – que a Igreja se “esqueceu”. O que deixa claro para o espectador a crítica pretendida. No entanto, Sorrentino provoca uma reviravolta ao fazer da cena somente um pesadelo e pinta a figura papal como um jovem conservador e contrário a tudo que foi falado no discurso. Aqui se encontra a principal controvérsia política do pontífice: um Papa jovem com ideias conservadoras e que se opõe veementemente aos velhos cardeais reacionários.
Esse pode ser entendido como um retrato da política em grande parte do mundo. Nas últimas eleições americanas, por exemplo, de acordo com pesquisa feita pela CNN, Donald Trump recebeu 37% dos votos de jovens de 18 a 29 anos. No Brasil, de acordo com a pesquisa feita por Adriano Codato da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de 1998 até 2014 o número de candidatos de direita aumentou de 45,6% para 51,3%.
Outro ponto que ressalta esse aspecto na série é a relação de Lenny Belardo, nome do Papa Pio XIII, com seus pais. Ao ser abandonado na infância em um orfanato católico, Lenny passa toda a sua vida tentando lidar com a ausência familiar. Nesta angústia retratada por sonhos, lembranças e imaginação, a série mostra seus pais como hippies. O que mais intriga Belardo é o fato de ter se tornado uma figura pública e mesmo assim seus pais nunca terem procurado por ele. Nesta relação conturbada fica claro a oposição da figura conservadora que Belardo se tornou e a figura de seus pais como representantes da revolução de 68. Esta oposição fica clara quando, na última cena da série, seus pais ao assistirem o discurso do filho viram as costas mais uma vez para ele, enquanto o público o admira.
A oposição ideológica representada pela relação entre pais e filho deixa claro o embate extremado vivido hoje e sugere a vitória da tradição frente a revolução. O Papa jovem pode ser entendido, do ponto de vista político, como um defensor da solidez que encontrou na tradição e que, em sua defesa, não se abala com as revoluções modernas, o que é ilustrado pela sua indiferença frente os protestos do grupo feminista em seu jardim.
Ao deixar o ponto que julgamos mais importante para o final, o fizemos com o intuito esclarecer algo que pode ser bem chamativo na série. Para religiosos ou não, The Young Pope pode ser interpretada como uma vastidão de blasfêmias. No entanto, não podemos perder de vista que é claro que Sorrentino não teve a intenção de confeccionar uma séria com fidelidade doutrinal. De acordo com Alberto Melloni, de diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha e colaborador na contextualização histórica da série, “ao contrário de grande parte do cinema e da literatura que explora os vínculos apenas para contar a sua inconsistência banal, Sorrentino sempre tentou entender como é ‘possível’ a solidão irremediável até mesmo onde há uma ‘plenitude’”. E esse é o grande ponto de The Young Pope: a solidão provocada pela fé.
Mesmo a luz deste aspecto, a palavra solidão pode gerar em crentes e não crentes certo espanto. Como a fé, que procura preencher o ser humano, pode gerar solidão? Tal questionamento aliado as dúvidas e afirmações de Belardo dão ainda mais motivos para a desconfiança. Entretanto, a própria personagem de Jude Law nos prova o contrário. Mesmo com suas falas que dizem não crer em Deus, a personagem permanece implacável em sua postura. Esse aspecto nos leva a algo precioso na vivência de personalidades importantes do cristianismo, como São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila e até mesmo o próprio Jesus.
A dúvida vivida por Lenny é algo inerente a fé. Assim como o deserto, que segundo Taiguara Fernandes de Souza em sua análise da série para o site Homem Eterno, destaca a imagem do deserto como um símbolo recorrente na série e que ao mesmo tempo é visto pelos místicos católicos como uma possibilidade de encontrar Deus.
“O símbolo do deserto aparece por diversas vezes na série, como o único lugar em que é possível encontrar a Deus. É no deserto que a noite é fria e escura, que o silêncio é infinito. Mas é para lá que Cristo se dirige para ser tentado; é o caminho do deserto que conduz o povo de Deus à Terra Prometida. Ketchikan, no Alaska, é o deserto de gelo para o qual o Papa envia o soberbo Cardeal Ozolins (que encontra Deus ali) e, posteriormente, o pedófilo Arcebispo Kurtwell, para puni-lo. Ao responder à primeira-ministra da Groelândia sobre o que haveria debaixo daquele país que nunca derrete, o Papa diz: “Por baixo do gelo pode haver Deus”. O mesmo símbolo do deserto está no seio estéril da personagem Esther.”
A temática da solidão também é recorrente em Lenny, desde o seu abandono ainda criança até a sua escolha por não aparecer. E essa talvez seja a questão que melhor ilustra o título desse texto. Pio XIII não faz nenhuma questão de ser popular, pois para ele o exibicionismo vazio moderno não pode e não deve responder suas questões. Ele não quer ser um Papa que diverte e por isso alimenta a sociedade do espetáculo. Ele pretende ser aquele que aponta a algo maior. Pensamento teorizado por Mario Vargas Llosa.
“O que quer dizer civilização do espetáculo? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. […] Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se têm consequências inesperadas: banalização da cultura, generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo”
Tal pensamento é confirmado no final da série, quando Pio XIII está nas graças da sociedade após serem vazadas suas cartas a uma antiga namorada que demonstram o seu entendimento sobre o amor ao mesmo tempo que afirmam sua fidelidade à Igreja. Nesse momento, em que a sociedade consegue ver o bem, o papa cumpre sua promessa e aparece em público, julgando que aqueles que antes se esqueceram, agora encontraram Deus.
Referências:
LLOSA, M. V. A Civilização do Espetáculo – Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Ed. Objetiva, versão eletrônica para Kindle, 2013.
MELLONI, A. "The Young Pope": a solidão da fé em Sorrentino e a luz de Caravaggio. Instituto Humanitas UNISINOS, Online, 2016. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/561420-the-young-pope-a-olidao-da-fe-em-sorrentino-e-a-luz-de-caravaggio-artigo-de-alberto-melloni>. Acesso em: 19 mai.2018
Os símbolos da série “The Young Pope” – parte 1. Homem Eterno, Online, 2017. Disponível em: <http://homemeterno.com/2017/04/os-simbolos-de-the-young-pope-parte-1/>. Acesso em: 19 mai.2018
0 Comentários