É um fenômeno inegável, nas ruas, nas casas e, principalmente, 'no país Internet', o despretensioso “Envolvimento” de MC Loma e as Gêmeas Lacração se tornou, em questão de dias, o hit do carnaval deste ano. De forma viral e avassaladora, três adolescentes de Joboatão dos Guararapes, Pernambuco, foram alçadas ao sucesso e atingiram o topo das paradas dos serviços de streaming musical. Segundo Jenkins (2008), na dinâmica da convergência midiática, o fluxo do conteúdo perpassa múltiplos suportes e mercados. Nesse contexto, observa-se um movimento oscilante dos públicos em busca de novas experiências de informação e entretenimento.
[...] as práticas de circulação através do público exercerem um impacto maior sobre os tipos de conteúdo de mídia com os quais deparamos e sobre os relacionamentos que existem dentro e entre públicos interligados em rede. (JENKINS et al, 2014, p.198).
No carnaval deste ano, o atual ecossistema de conectividade e a popularização de plataformas de streaming foram decisivos para a escolha do hit da temporada. Diversos artistas lançaram músicas candidatas ao posto. Porém, eles não imaginavam que a eleita pelo público se viralizaria na rede. Semanas antes do carnaval, a primeira gravação do trio MC Loma e as Gêmeas Lacração se espalhava nas páginas e grupos do Facebook. Na visão de Jenkins et al (2014) a propagação de qualquer tipo de mídia depende mais da circulação entre o público do que da distribuição comercial, sendo esta propagabilidade determinada por processos constantes de avaliação social e participação ativa dos sujeitos midiáticos.
De maneira despretensiosa, Paloma Roberta Silva Santos, de 15 anos e as gêmeas Mirella Santos e Maryeli Santos, de 18 anos, 'brincavam' na internet com vídeos caseiros de composições autorais, danças desajeitadas e maquiagens chamativas. Mas não era o primeiro contato das garotas com a produção audiovisual, assim como a maioria dos adolescentes, elas já se arriscavam na criação de conteúdos na internet.
As gêmeas Mirella e Maryeli já se aventuravam com vlogs publicados no YouTube sob a alcunha de Descontraídas. Inspiradas nos grandes canais jovens, a proposta das adolescentes no vídeo publicado em 23 de outubro de 2015, intitulado “Apresentação do nosso canal”, era realizar daily vlog, tags e trollagens. Os conteúdos foram gravados pelas próprias meninas com um celular, de forma caseira. O uso do YouTube e das redes sociais se tornaram uma tendência tanto do público quanto da indústria. Conforme pontua Enzensberger (2000), fomenta uma “[...] mídia muito mais participativa, na qual os meios de produção e circulação cultural estariam 'nas mãos das próprias massas'” (ENZENSBERGER apud JENKINS et al, 2014, p.204).
Em um dos vídeos do canal, somos apresentados a Loma Dipirona, personagem de Paloma Santos, que no vídeo “ensina” às gêmeas a dançarem o ritmo brega-funk, típico da região recifense. Porém, a parceria musical entre as meninas só foi existir meses depois. Inspiradas pela paixão pelo brega-funk, as das adolescentes se juntaram para escreverem e gravarem seu primeiro videoclipe, Meu Ritmo (Mirella Santos/Maryeli Santos).
Além do nítido diálogo com a convergência das mídias e a cultura participativa, a ascensão de MC Loma e as Gêmeas Lacração também materializa questões relacionadas à competência midiática. Em entrevista ao programa The Noite com Danilo Gentili (SBT), exibido em 15 de março de 2018, as três descrevem o processo de produção do clipe, com a estética inspirada em Anitta e outros MCs. A composição da canção de Mirella e Maryeli foi gravada por Paloma com um smartphone. Para que a música tivesse mais impacto Mirella pediu ajuda a um DJ local na construção da base e da mixagem. Já a caracterização, a maquiagem e o figurino foram feitas por Paulo César, o PC, irmão de Loma, por fim, a edição e postagem do vídeo ficaram sob a responsabilidade de Mirella.
Nesse sentido, todo o processo de produção do clipe de MC Loma e as Gêmeas Lacração contempla as discussões sobre competência midiática. Para Livingstone (2004) conceito se refere à capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de uma variedade de contextos e de plataformas. Este processo fica nítido ao observarmos o modo como as meninas exploraram a linguagem musical e audiovisual. Seja através da composição, da edição ou do compartilhamento do vídeo, MC Loma e as Gêmeas Lacração materializam a relevância dos novos fluxos de mídia e a importância da competência midiática.
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Com a remoção de Meu Ritmo do YouTube pela utilização de uma base não-licenciada, Paloma, a MC Loma, reposta o vídeo em seu perfil pessoal do Facebook. Instantaneamente, o clipe ganhou visibilidade e foi replicado em diferentes plataformas. Por exemplo, na página “Citaram”, o conteúdo gerou mais de 7 mil compartilhamento e no grupo LDRV (Era Eden) teve mais de 260 mil visualizações.
Hirsjärvi (2013) afirma que, para os jovens, a “visibilidade no mundo da internet reforça o próprio autor, dá voz aos artistas independentes e significado aos seus nomes” (2013, p.44, livre tradução do autor). Desta forma, a recepção inesperada (e positiva) do primeiro vídeo fez com que as meninas se mobilizassem para lançarem outros conteúdos. Em entrevista ao Facebook do serviço de streaming Deezer, no dia 9 de fevereiro de 2018, Mirella reafirma que o êxito do primeiro videoclipe a motivou a escrever outra música e que após terminar a letra da próxima música já sentia que seria sucesso.
Para a nova música Envolvimento, Mirella, uma das gêmeas, como citado anteriormente, pede ajuda a um DJ de Recife para criação de uma base e mixagem da música - evitando que o vídeo fosse excluído novamente do YouTube. Utilizando os recursos disponíveis, a gravação do clipe foi feita em um celular Motorola “Moto G” no quintal da casa de Paloma e na rua, com a participação especial de um ciclista que serviu de 'Uber' para Loma. O que mais chama atenção nessa versão caseira são figurinos e maquiagem neon, assinados pelo irmão da vocalista inspirados em cantoras internacionais como Lady Gaga, Rihanna. Além do estilo de dança brega do trio e as gírias até então desconhecidas pelo país como “escama só de peixe”, “cebruthius” e o grito carregado “UAI”.
As gírias, comuns à localidade e à realidade recifense, foram abraçadas e utilizadas pelos jovens. A rápida circulação e reprodução destas marcas orais historicamente regionais e, possivelmente, marginalizadas é uma característica da corrente era de tecnicidade. Rocha (2018, p.6), em seu estudo sobre o canal Kondzilla, pontua que
[...] as transformações tecnológicas ajudam a configurar um novo tipo de tecnicidade [...] que tem permitido mudanças nos modos de circulação e produção do saber e tem contribuído para que sujeitos historicamente marginalizados ao produzirem conhecimento [...]. São saberes que promovem uma interação entre máquinas, computadores e técnicas que potencializa as culturas populares-urbanas e reaviva seus repertórios de oralidade.
O vídeo de Envolvimento foi lançado no dia 20 de janeiro de 2017, e nas primeiras 24 horas, o conteúdo gerou mais de 30 mil visualizações. A propagação do vídeo começou a ganhar grandes proporções na rede e acabou virando meme, chegando a ser parodiado por Anitta e Felipe Neto.
Shifman (2013) afirma que existem algumas características que tornam um conteúdo memético, ou seja, propenso a se tornar um meme. Dentre eles, o humor é o grande fator para Envolvimento ser memetizado tão rapidamente. A cena inicial onde MC Loma aparece atrasada para um compromisso, desesperada por uma condução, tendo apenas R$ 2 no bolso, e embarcando na cesta de uma bicicleta já é um prenuncio às situações inesperadas que viriam a seguir: danças em um quintal, na rua à noite, luzes coloridas nos rostos das personagens evidenciando a maquiagem e as roupas também chamativas.
Uma semana após a música ser lançada nas plataformas digitais e agora com um novo clipe veiculado pelo canal Kondzilla, Envolvimento se tornou a faixa mais tocada no Spotify, com 558 mil reproduções por dia. O sucesso instantâneo de MC Loma e as Gêmeas Lacração ressalta a importância de se prestar atenção no modo como a juventude que se expressa nas redes. Hirsjärvi (2013, p. 39) alerta em seu estudo sobre fandoms e cultura participativa, que
novas e amplas maneiras de aprendizagem e descobrimento, incluindo a interação com novos meios de comunicação tem sido subestimados, senão que totalmente invisíveis em muitas pesquisas sobre crianças e meios de comunicação (livre tradução do autor)
Desta forma, gerações cada vez mais nativamente conectadas, munidas do acesso a estes meios, fazem chegar sua voz e imagem nos quatro cantos do país. E, como ocorreu este ano, também fazem o Brasil repetir, uníssono, em sua maior festa: cebruthius!
Referências:
HIRSJÄRVI,I. Alfabetización mediática, fandom y culturas participativas. Un desafío global. In Anàlisi Monogràfic, p. 37-48, 2013. Disponível em: < https://ddd.uab.cat/record/112869>. Acesso em: 25 mar. 2018.
JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008.
JENKINS, H. et al.. Cultura da Conexão - Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2008.
JENKINS, H. et al.. Cultura da Conexão - Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
ROCHA, S. M. Redesenhando mapas e encontrando caminhos para entrar na modernidade: novas competências e formatos a partir da mediação da tecnicidade. In Anais...II Congresso Internacional sobre Competência Midiática, Juiz de Fora, 2017. (no prelo)
SHIFMAN, L. Memes in Digital Culture. 1. ed. Massasuchetts: The MIT Press, 2013.
SHIFMAN, L. Memes in Digital Culture. 1. ed. Massasuchetts: The MIT Press, 2013.
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