Sex and the city: A identificação entre Carrie e Katie, de Nosso amor de ontem


 
As séries contemporâneas são marcadas pelo distanciamento da estrutura tradicional de narrativas seriadas. Se anteriormente as histórias tinham como propósito o final feliz de um herói de moral inabalável, na chamada Post-Network Television temos personagens onde “a vida privada pode interferir sobre o seu cotidiano o trabalho, e eles podem ser dotados de traços não somente diferentes, mas contraditórias, como nós” (JOST, 2011, p. 38). Desta forma, segundo Jost (2011), com o realismo proposto, permite-se que cada um de nós reconheça-se neste ou naquele personagem. Além desta aproximação, de acordo com Martin (2014), os personagens femininos também ganharam uma nova perspectiva, deixando de ser “um obstáculo ou um estímulo ao progresso existencial do herói masculino” e assumindo papéis de protagonismo e complexidade.

Sex and the city (no Brasil, Sexo e a cidade), produção do canal a cabo HBO entre 1998 e 2004 é exemplo deste protagonismo feminino. Segundo Carlos (2006), o grupo de amigas “partilha não uma família, mas uma familiaridade. Se cada uma reage a seu modo às dificuldades de relacionamento, todas elas têm em comum o fato de serem mulheres, com mais de 30 anos, independentes, solteiras e vivendo plenamente sua sexualidade” (CARLOS, 2006, p. 55). É inevitável assistir aos episódios sem se identificar com a personalidade de Carrie (Sarah Jessica Parker), Charlotte (Kristin Davis), Miranda (Cynthia Nixon) ou Samantha (Kim Cattrall). Com quatro mulheres protagonistas, a série utiliza o modelo tetraédrico de representação feminina na busca de contemplar as facetas da mulher contemporânea (ROVIROSA, 2014).

O seriado criado por Darren Star, de Barrados no baile e Melrose Place, tem formato episódico e é baseado nas colunas de Candance Bushnell no jornal New York Observer reunidas posteriormente no livro Sex and the city e não apenas satirizava os costumes sociais, mas também buscava formar um panorama para posicionamentos românticos pós-modernos (SIMON, 2008).
 

Nesta construção, a protagonista-narradora Carrie Bradshaw exerce papel fundamental. Por ser colunista de um jornal, sua narração tenta ser um espaço de proximidade entre personagem e público abordando “temas, que variam de questões sexuais a relacionamentos familiares e amorosos, bem como questões sobre moda, espiritualidade e trabalho, dentre outros assuntos que marcam a vida de mulheres solteiras em Nova Iorque” (BEZERRA, 2011, p. 106).

Diante da independência e da liberdade sexual proposta pela série, o relacionamento amoroso entre Carrie e Sr. Big (Chris Noth) chama atenção. O bem-sucedido magnata aparece logo no primeiro episódio da trama e, mesmo com medo de se relacionar, Carrie se apaixona por ele e juntos vivem momentos intensos durante os episódios da primeira temporada. Contudo no último episódio desta, intitulado Religion and relationships, acontece o primeiro rompimento entre os dois.
 

Na temporada seguinte, os dois se reencontram e reatam o relacionamento. Novamente, enquanto Carrie de forma total, Sr. Big está focado em sua carreira profissional e indisponível emocionalmente. Uma série de equívocos acaba minando novamente este namoro, como Sr. Big atender uma ligação enquanto Carrie recitava seu poema, a demora em dizer “eu te amo” e, por fim, a partida dele para França sem comunicá-la ou incluí-la nos planos. Solteira novamente, mas ainda emocionalmente ligada a Big, Carrie segue sua vida conhecendo outros homens. Com o fracasso de seus negócios internacionais, o ex retorna a Nova Iorque com uma nova namorada, já promovida à noiva.

No episódio final da segunda temporada, o grupo de amigas numa conversa num restaurante identifica que romance de Carrie e Big se assemelha com a história de Katie (Barbra Streisand) e Hubbell (Robert Redfort), de Nosso amor de ontem (The way we were) de 1973. Demonstrando-se apaixonadas pelo filme, as personagens na cena apontam semelhanças físicas como o cabelo cacheado de Carrie e Katie, além de entoarem o tema The way we were da trilha sonora.
A narrativa da película, com várias indicações e dois prêmios Oscar, acompanha a paixão platônica de Katie por Hubbell na adolescência. Contudo com a ida para a Marinha do rapaz faz com que nada aconteça entre os dois. Anos mais tarde, ao se reencontrarem vivem finalmente um relacionamento, mas motivados por diferenças ideológicas e de objetivos de vida, os percalços são maiores que o amor e o casal acaba se separando.

A situação onde Carrie assume o papel de espectadora e se identifica com uma personagem ficcional é interessante, afinal por que uma personagem dos anos 90 pode se identificar com outra dos anos 70?


Analisando as narrativas, percebemos que além do nome sonoramente parecido, as duas personagens tem personalidades fortes e são altamente engajadas. Carrie com sua coluna é a favor da liberdade sexual e feminina, além da quebra de tabus já Katie militava pelo comunismo, pela liberdade política e contra a censura. A paixão e a entrega total a seus parceiros também é algo a se destacar, as duas querem estar presentes em todos os momentos e se mostram interessadas e dispostas a acompanhar o amado. Exemplo disso é quando Katie decide ir para Califórnia para Hubbell adaptar seu livro para o cinema. Em Sex, Carrie se dispõe a deixar sua vida em Nova Iorque para acompanhar Big na França. Outro ponto, é que mesmo com términos, as duas personagens buscam resignar-se e retomar a vida em casal.


Os dois personagens masculinos também têm suas semelhanças como , por exemplo, o egoísmo. Hubbell tem seu foco na carreira de escritor e roteirista, já Big coloca na frente seus negócios. Além disso, é perceptível a indiferença de ambos ao sentimento de entrega de suas parceiras. O final trágico onde a separação e o surgimento de novos parceiros é a realidade para as duas histórias. Nos dois casos, conferimos a dinâmica de opostos que se atraem mas não conseguem ficar juntos.

Com tantas passagens semelhantes, o final de Ex and the city presta uma homenagem a Nosso amor de ontem. No episódio, ao sair do restaurante, Carrie é encorajada pela lembrança do filme a ir no The Plaza, lugar onde Big anunciaria seu noivado com Natasha. O reencontro é inspirado na cena final do filme.


Carrie, ao ver Natasha no carro, replica para Big a mesma frase de Katie para Hubbell: “Sua garota é um amor, Hubbell”. Big, perplexo, diz que não entendeu e Carrie responde: “Você nunca entendeu”, numa menção de que ele nunca se preocupou em estar inteirado sobre o mundo de sua parceira.

Ao assistirmos as duas produções ficamos com os mesmos questionamentos das personagens: “Por que não eu?” “Por que não deu certo comigo?” “O amor não foi suficiente?” “Será que ele não era o cara certo?”.


A reflexão de Carrie nos momentos finais procura responder estes questionamentos:
“Então eu pensei numa coisa... Talvez eu não tenha domado Big, talvez o problema é que ele não tenha conseguido me domar. Talvez algumas mulheres não sejam feitas para serem domadas, talvez sejam feitas para serem livres até encontrarem alguém tão selvagem como elas.” 

As duas produções, por tratarem das dificuldades dos relacionamentos afetivos estão conectadas pela humanização. É interessante ver a empatia de Carrie com Katie, assim como ocorre entre o telespectador e os personagens de ficção. Sem dúvida, ainda que passem mais 30 anos, relacionamentos como os de Carrie e Big e Katie e Hubbell ainda serão atuais e reconhecidos pelo público.

Referências:

BEZERRA, Fábio. A imagem feminina em Sex and the City: uma análise de transitividade da narração. In: Revista Investigações, v.24, n.2, 2011, p. 103-133. Disponível em: <http://www.academia.edu/5640269/.A_imagem_feminina_em_Sex_and_the_City_-_uma_an%C3%A1lise_de_transitividade_da_narra%C3%A7%C3%A3o_Revista_Investiga%C3%A7%C3%B5es_>. Acesso em: 15 set. 2017.

CARLOS, Cássio. Em tempo real: Lost, 24 horas, Sex and the city e o impacto das novas séries de TV. São Paulo: Alameda, 2006.
 
JOST, François. Do que as séries americanas são sintoma? Porto Alegre: Sulina, 2011.
 
MARTIN, Brett. Homens difíceis: Os bastidores do processo criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e outras séries revolucionárias. São Paulo: Aleph, 2014. 

ROVIROSA, Anna. Women’s Treatment in the North American TV series. In Contemporânea, v.12, n.1, 2014, p. 234-260. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/8963>. Acesso em: 15 set. 2017.

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